DIREITA, (EN)VOLVER!: Como o Neoconservadorismo Brasileiro “criou” o fenômeno Bolsonaro.

Por Maurício Fabião.i

mauriciofabiao@gmail.com

Queimados (RJ), Junho de 2021.

Em junho de 2013, milhões de jovens e trabalhadores se mobilizaram em gigantescas passeatas, em cerca de 500 cidades do Brasil, exigindo (inicialmente) o não-aumento das tarifas dos ônibus. Logo em seguida, os protestos foram em favor de direitos sociais: educação, saúde, trabalho, segurança etc., obtendo o apoio de 89% da população.i Em princípio, tais manifestações aparentavam ter características de Esquerdaii Naquele ano, após ter ido à uma passeata em junho, poucos meses depois dei uma entrevista para a emissora árabe de televisão Al Jazeera sobre tais Jornadas e, para ser bem sincero, nenhum cientista social, analista político ou formador de opinião tinha a real dimensão do que havia acontecido. O que foi percebido depois com (alguma) clareza, por vezes de forma dicotômicaiii, é que as Jornadas teriam sido ora algo próximo (se não efetivamente) uma insurreição popular,iv v ora como o ovo da serpente do “Fora Dilma!”vi. O que analiso, com oito anos de distanciamento daquele junho quente, é que diversos “outros” manifestantes entraram nas quase diárias manifestações: esses exigiam das (ou arrancavam as) bandeiras dos partidos e organizações de Esquerda, se vestiam com as cores da bandeira brasileira, muitos com uniformes da Seleção Brasileira de Futebol (ouvia-se em algumas passeatas: “Um, dois, três, quatro, cinco, mil! A única bandeira que eu levanto é a bandeira do Brasil!”) e, principalmente, essa parte numerosa e agressiva de manifestantes gritavam “Fora Dilma!”.

A minha hipótese é de que após 10 anos de governos do Partido dos Trabalhadores (PT), grupos, organizações e partidos de Direita utilizaram as assim chamadas “Jornadas de Junho de 2013” (JJ13) - organizadas inicialmente por jovens estudantes universitários de Esquerda, que só conheciam o NeoPT no poder (citando Elio Gaspari) - para assumir um caráter de movimento multifacetado e polifônico, que iria mudar (e ainda muda) a face política e social de nosso país. Oito anos após as JJ13, a primeira questão que levanto nesse pequeno e inicial artigo (que só introduz grandes e ainda não-respondidas questões) é que a grande virada à Direita ocorrida na sociedade brasileira nos últimos anos, que chamo de Neoconservadorismo Brasileiro, começa não em 2015/2016, mas em 2013: o recente corte na história da política brasileira teria se dado nesse ano.

segunda questão que apresento é que a “criação” do fenômeno Bolsonaro se deve, em parte, à quatro grandes fatos sociais, a saber: (1) às Jornadas de Junho (2013), (2) à Operação Lava Jato (2014-2020), (3) ao Impeachment da Dilma (2016) e (4) à prisão do Lula (2018). Esses três últimos fatos foram criados por um discurso envolvente da Direita: a Esquerda não sabe governar, ela é corrupta, ela deve sair do poder, ela deve ser substituída por alguém que represente os valores patrióticos e cristãos (mais especificamente, neopentecostais), perdidos com a volta da Democracia.

A minha terceira questão é que Jair Bolsonaro foi “criado” não por mentir em seus discursos e atitudes ao longo de mais de 30 anos de vida política (não estou me referindo às fake news), mas porque esse movimento multifacetado do Neoconservadorismo Brasileiro encontrou em Bolsonaro o seu Messias… Foi, inspirado nos termos que apresenta Evelina Dagnino,viii uma “confluência perversa”: diversos atores sociais de Direita procuravam algum líder que os livrasse da Esquerda no Palácio do Planalto e encontraram em Bolsonaro o seu represente.

É importante destacar que mesmo com cinco anos de “fritura política” por parte dos Neoconservadores, o PT e seu então candidato à Presidência da República Fernando Haddad (ex-ministro da Educação), que estava mais à Esquerda no campo político, pois vinculava a sua imagem diretamente à do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva (processado, julgado, condenado e – ilegalmente preso, segundo decisão posterior do Supremo Tribunal Federal - pela Operação Lava Jato na época da corrida presidencial), conseguiu chegar ao segundo turno da Eleição Presidencial de 2018, com apenas três meses de campanha, e obteve 44,87% dos votos, relativamente próximo ao vencedor Jair Bolsonaro, com 55,13% dos votos válidos (uma distância de apenas 10%). Nesse sentido, destaco que o Brasil já saiu dividido politicamente dessa eleição. A vitória de Bolsonaro e de seus seguidores não foi fácil e continua não sendo, seja por erros próprios, seja pela Pandemia do Coronavírus (que começou a se massificar em março de 2020), seja por acertos da Esquerda.

Por que as Jornadas de Junho de 2013 foram importantes para o Neoconservadorismo Brasileiro “criar” Bolsonaro? Porque as passeatas, que em princípio eram pacíficas, tornaram-se “campos de guerra”, algo como a criação de um cenário de combate bélico contra o poder instituído, implementando uma “doutrina do choque”, como analisa Naomi Kleinix: os neoconservadores/neoliberais só conseguem implementar as suas agendas através de uma espécie de choque elétrico no “corpo social”, o que faria aceitar um possível golpe de estado, por exemplo. No discurso à Nação que a Presidenta Dilma Rousseff fez em 21/06/2013, no auge das Jornadas, ela enfatizou diversas vezes nos 10 minutos de transmissão, que não aceitaria vandalismo. A quem interessava ter Dilma como repressora da “liberdade de expressão”? Esse é só o início da discussão.

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Creative Commons (licença): É livre a reprodução deste artigo, desde que seja para fins não-lucrativos e que autor e fonte sejam citados. Fonte: http://mauriciofrancafabiao.blogspot.com (21/06/2021).

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i Maurício França Fabião é Sociólogo, Professor e Mestre em Ciências Sociais, formado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Vencedor do Prêmio Ethos Valor – 2ª edição (2002), leciona Sociologia e Filosofia na Rede Estadual de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC-RJ) e é membro do Comitê Rio da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

ii Cf. Wikipedia. “Jornadas de Junho de 2013”. Acessado em 20/06/2021, em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Jornadas_de_Junho.

iii Opto por destacar o maiúsculo para as clássicas posições políticas de Esquerda e Direita, para distingui-las das palavras ordinárias, que dizem respeito à simples orientação geográfica.

iv Cf. FERREIRA, Andrey Cordeiro. “Ecos de Junho: Insurgências e crise política no Brasil (2013-2018). Le Monde Diplomatique Brasil. 20 de junho de 2018. Acervo digital, acessado em 20/06/2021, em: https://web.archive.org/web/20200808235732/https://diplomatique.org.br/ecos-de-junho-insurgencias-e-crise-politica-no-brasil-2013-2018/.

v Cf. Al Jazeera. “Black Bloc and teachers: Education crisis explodes on Rio’s streets”. Acessado em 20/06/2021, disponível em: https://www.aljazeera.com/opinions/2013/10/23/black-bloc-and-teachers-education-crisis-explodes-on-rios-streets.

vi Cf. Al Jazeera. “The favelados uprising: The truth about Brazilian protests”. Acessado em 20/06/2021, disponível em: https://www.aljazeera.com/opinions/2013/12/10/the-favelados-uprising-the-truth-about-brazilian-protests.

vii Em outros termos, para parte dos analistas eram protestos da Esquerda não-institucional, em sua maioria, para outros eram manifestações da Nova Direita.

viii Cf. DAGNINO, Evelina. “Construção democrática, neoliberalismo e participação: os dilemas da confluência perversa”. Política e Sociedade, v. 3 n. 5 (2004).

ix Cf. KLEIN, Naomi. “A doutrina do choque: a ascensão do capitalismo de desastre”. Nova Fronteira, 2008.


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