DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO SOLIDÁRIO
Por Maurício França Fabião (*)
O cenário
Crescimento econômico. Essa é a palavra de ordem do momento. Essa grande diretriz do país, que esbarra sempre na racionalidade fiscal da macroeconomia vigente, tem sua crença baseada no pressuposto de que o aumento do Produto Interno Bruto (PIB) acarretará um correlato aumento do emprego e da renda dos trabalhadores. Porém, é imperioso destacar que a desigualdade social impede que o bolo seja repartido em partes iguais, cabendo aos mais fortes de ontem a mesma grande porção de amanhã. Aliado ao crescimento, é preciso garantir que os mais pobres tenham acesso aos ganhos econômicos de forma autônoma.
Uma forma de democratizar o acesso ao emprego e à renda é dando início a um processo de desenvolvimento econômico solidário. Essa política, ainda embrionária e experimental de algumas ONGs e grupos socioeconômicos informais, é uma combinação de duas estratégias: desenvolvimento econômico e economia solidária. Pode-se afirmar que toda ação de economia solidária é uma contribuição ao desenvolvimento econômico da população mais pobre, mas o contrário não é verdadeiro.
Os modelos vigentes de desenvolvimento econômico na América Latina, na segunda metade do século 20, eram inspirados nas receitas cepalinas e presumiam um programa de substituição das importações com a instalação de indústrias de base e produção de bens de capital com base na demanda do mercado interno (tais como automóveis e eletrodomésticos). Tal modelo, que teve início embrionário na Era Vargas e se encerrou no Regime Militar, ocorreu graças a uma liquidez de crédito internacional, permitindo a construção de centenas de indústrias e a realização de incontáveis obras faraônicas, mas acarretou grande endividamento externo. Graças, em grande medida, a esse processo, desde a década de 1980, o Brasil vem atingindo baixíssimas taxas de crescimento e se vê obrigado, atualmente, a contigenciar o orçamento anual para saldar o pagamento dos juros da dívida, impedindo o investimento adequado às necessidades do povo.
Por conta disso, faz-se urgente à sociedade civil fazer sua parte. A economia solidária vem sendo um bom exemplo, representando uma alternativa digna ao desemprego e servindo como laboratório mundial de experiências de geração de trabalho e renda. Tendo como carro-chefe as cooperativas populares, existentes desde meados do século 19, os empreendimentos solidários são iniciativas coletivas de trabalhadores que se associam para produzir, consumir, vender, comunicar, dar crédito e tantas outras novas formas de união voluntária para o trabalho.
Nas ações economicamente solidárias, os trabalhadores são os próprios donos do negócio. Eles se apropriam dos meios da produção de forma coletiva, fazendo retiradas iguais ou equivalentes ao seu trabalho. As formas de associativismo econômico são inúmeras: cooperativas populares, grupos de trabalho coletivo, férias de negócios, rede solidária de compra no atacado, mini-empresas e até mesmo negócios individuais que realizem alguma ação solidária para a comunidade. Não importa o tamanho, o tipo ou a finalidade do negócio. O importante é tornar a esperança por dias melhores em uma renda digna, que se consegue mais facilmente com a ajuda mútua.
Esse campo não é consensual e sem conflitos ou contradições. Ao contrário, há críticos de ambas as tendências. Pelo lado do desenvolvimento econômico, considera-se que a corrida por ampliar os processos produtivos esgota os recursos naturais e não amplia o acesso ao capital, acabando com o meio ambiente e explorando cada vez mais o trabalhador. Já pelo lado da economia solidária, coloca-se que o empreendedorismo econômico não pode ser um subterfúgio ao desemprego estrutural, para convencer o trabalhador a não mais procurar o “emprego-de-carteira-assinada” porque esse não existe mais. As duas correntes críticas se encontram em um ponto: as dificuldades do capitalismo neoliberal não podem ser assumidas, apenas, pelos trabalhadores. Todos têm a sua parcela da sociedade.
O conceito
Na tentativa de pontuar conceitualmente a proposta do título, me arrisco a desvendar o que seria o desenvolvimento econômico solidário. Segundo a filosofia[i][1], desenvolvimento significa “o movimento para o melhor”. Para Aristóteles, movimento seria “da potência ao ato” ou “o progresso que é equivalente à evolução”. Desta forma, podemos considerar como desenvolvimento o processo de se partir de uma potencialidade até a sua realização, visando evoluir. O desenvolvimento é sempre um “caminhar para o alto e avante”, mas se for feito de forma meramente competitiva e egoísta, perpetua a desigualdade social.
Economia solidária é todo e qualquer processo em que trabalhadores ou consumidores se unem para compartilhar conhecimento, recursos e força de trabalho para compartilhar a riqueza existente em determinada localidade. O sentimento de cooperação é predominante e a visão política se faz presente como uma crítica pragmática e permanente ao modelo econômico vigente.
Se formos juntar os dois conceitos, temos que o desenvolvimento econômico solidário é o processo de ir da potência ao ato para melhorar a autogeração de trabalho e renda dos trabalhadores, na forma de um associativismo cooperativista. A seguir, irei exemplificar a aplicação desse conceito com um projeto desenvolvido pela ONG CIEDS em comunidades cariocas em 2003.
A prática
O CIEDS[ii] executou um projeto-piloto da Prefeitura do Rio (financiado pelo BID[iii]) chamado “Orientação para Integração Econômica”, que tinha como objetivo promover o desenvolvimento econômico individual e local de 2.884 trabalhadores ou empreendedores de dez comunidades da cidade do Rio de Janeiro. Contando com uma equipe de mais de vinte pessoas, trabalhamos durante dez meses em comunidades da zona norte e da zona sul carioca.
No âmbito do desenvolvimento econômico individual, traçávamos o perfil econômico individual dos trabalhadores para encaminhá-los para cursos de capacitação profissional da Prefeitura e de outras instituições compatíveis com o objetivo do projeto. Ao mesmo tempo, fazíamos o currículo e um plano de desenvolvimento individual do mesmo. Numa forma de realizar um aconselhamento econômico do beneficiário, fazíamos uma espécie de consultoria individualizada, procurando tornar real o potencial que cada um daqueles trabalhadores possui.
No que tange ao desenvolvimento econômico local, focamos nos empreendedores. No primeiro momento, tentamos articular os comerciantes já estabelecidos em associações comerciais, que realizariam compras coletivas de matéria-prima para reduzir o custo dos produtos e, assim, aumentar a renda (gerando, talvez, até novos postos de trabalho). Com as dificuldades de mobilização e adesão desse público, partimos para a formação de novos empreendedores que tinham grande potencial de gerar renda, mas ficavam confinados em casa, pois não sabiam como vender.
Por isso, fizemos 11 fóruns econômicos, onde os empreendedores de reuniam para discutir os problemas socioeconômicos da comunidade (que ia da falta de capacitação, falta de crédito e dificuldade de venda, até a violência urbana e a não existência de capital social entre os vizinhos, que não se falavam pois nem sequer se conheciam). Destes fóruns, surgiram mais de 800 encaminhamentos para cursos, mais de 500 encaminhamentos para um programa de crédito social (Fundo Carioca), duas cooperativas populares, uma rede de compra coletiva de produtos no atacado, dezenas de grupos de trabalhos (de duas a dez pessoas de uma mesma profissão, tal como costureira) e as grandes feiras de negócios comunitários. Essas feiras merecem um comentário à parte, pois representaram não só uma união entre os trabalhadores para vender (o que aumentou a renda de muitos), mas eram verdadeiros eventos comunitários: uma festa de esperança.
Tudo isso aconteceu porque acreditávamos que uma forma eficiente de se atender a demandas dos beneficiários de políticas socioeconômicas, preservando tanto as metas da organização quanto os direitos dos cidadãos de tomar decisões sobre a sua vida, seria o amadurecimento de uma gestão estratégica com participação. Essa forma de gerenciamento de ação já vem sendo utilizada informalmente por muitas ONGs, inclusive aquelas que trabalham em parceria com o Estado ou o mercado, e pode ser uma forma de alcançar resultados com democracia, sem perder muito tempo com debates improdutivos e sem criar arestas por conta da imposição de serviços ou políticas que não alimentem a necessidade do cliente/cidadão/beneficiário.
A gestão estratégica com participação é um processo de planejamento, execução e avaliação onde a organização define diretrizes, metas e método de trabalho, porém, em cada uma dessas etapas, aprimora suas decisões com as opiniões e demandas internas (funcionários e colaboradores) e externas (parceiros e cidadãos-beneficiários).
Ao invés de perder tempo, o gestor percebe que, ao contrário, está investindo agora para ganhar depois. Explica-se: quando alocamos recursos em uma atividade que nós planejamos sem ouvir nossos colaboradores e beneficiários, estamos correndo o sério risco de não atendermos às necessidades de nosso público-alvo, pois podemos estar distantes deles. Ao contrário, se o gestor submete suas idéias interna e externamente, adaptando-as, minimamente, aos desejos das partes interessadas (stakeholders), a sua ação será aceita naturalmente e os ganhos se multiplicarão, pois todos os envolvidos abraçarão a iniciativa.
Essa é uma forma de promover o desenvolvimento da economia solidária de forma democrática e com resultados. Acredito que, somente assim, nós brasileiros seremos capazes de construir um país mais justo, igualitário e solidário para todos, mesmo. Acredite também.
(*) Maurício França Fabião é consultor externo do Centro Integrado de Estudos e Programas de Desenvolvimento Sustentável (CIEDS), professor da Capacitação Solidária, bacharel e mestrando em Ciências Sociais (Programa de Pós-Graduação/UERJ) e vencedor do Prêmio Ethos Valor - 2ª edição/2002 (Instituto Ethos e Jornal Valor Econômico).
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[1] Nicola Abbagano, Dicionário de Filosofia - 2ª edição, São Paulo: Editora Mestre Jou, 1982.
[2] Centro Integrado de Estudos e Programas de Desenvolvimento Sustentável (www.cieds.org.br)
[3] Banco Interamericano de Desenvolvimento.
FONTES:
Fundação Banco do Brasil
http://www.bb.com.br/appbb/portal/bb/cdn/rpsc/art/ArtigosDetalhe.jsp?Artigo.codigo=743Programa Fome Zero http://www.fomezero.gov.br/exec/DetalheArtigo.aspx?id_artigo=6596
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