De onde vem a miséria humana?
DE ONDE VEM A MISÉRIA HUMANA?
Por Maurício Fabião*
Maceió, 14/02/2011.
O senso comum (e o censo governamental...) considera que a miséria é apenas uma questão de falta de dinheiro. Existem inúmeros estudos econômicos pretendendo estabelecer uma linha da miséria que se desprenda do clássico "1/4 do salário mínimo", para que a miséria de renda possa ser medida, calculada, avaliada, esquematizada, racionalizada. Mas existe uma dimensão fundamental da miséria que escapa à maioria dos estudos. De onde vem a miséria humana?
Quando pensamos em um ser humano pleno, temos em mente alguém educado, saudável, seguro, livre, com oportunidades iguais, morando adequadamente, bem remunerado, se divertindo e, sobretudo, amado e feliz. Para quase todas essas características acima, nós temos indicadores para medir. Mas como se mede a felicidade de ser amado ou a infelicidade de não ser amado? E aqui não estou falando somente do amor romântico, mas do amor social.
O amor social é uma qualidade coletiva. É a capacidade de uma comunidade de pessoas ser capaz de expressar e materializar o seu amor por seus membros, construindo um ambiente de colaboração e solidariedade. Quando digo uma comunidade de pessoas estou me referindo desde uma família à uma cidade. Existe um ditado africano que diz que para educar uma criança é preciso toda uma comunidade. Isso é amor social. Porém, com a globalização neoliberal, os laços de fraternidade que envolvem as pessoas são cada vez mais rasgados. E ao invés da simpatia dos vizinhos, temos que encarar a triste realidade de que as pessoas estão cada vez mais individualistas, mais egoístas, mais frias. Como Marx escreveu há mais de 150 anos (e não envelhece): "O capitalismo transformou todas as relações humanas em relações de troca".
A miséria humana vem da indiferença, vem do desprezo, vem da falta de solidariedade, da falta de amor. Se nós, enquanto sociedade, considerássemos um absurdo a indignidade de alguém viver em condições subhumanas, a miséria já teria acabado. Mas como naturalizamos a desigualdade, toleramos a miséria humana. A persistência da miséria no Brasil vai além da questão monetária, tem a ver com a falta de amor social, com a falta de solidariedade coletiva. É isso que devemos estimular cada vez mais.
Nos últimos anos, o país foi mobilizado em Conferências Nacionais para debater diversos temas, entre eles a educação. Está em tramitação no Congresso Nacional o novo Plano Nacional de Educação. Em nenhum dos seus artigos está relacionado o impacto da educação na redução da miséria, mesmo considerando que diversos estudos apontam para uma relação direta entre aumento da escolaridade e diminuição da extrema pobreza. Mas a educação é capaz de fazer mais do que elevar a renda.
A educação pode aumentar a cidadania, ou seja, a capacidade de ter consciência dos seus direitos, de exercê-los e lutar para que eles sejam garantidos, mantidos e ampliados. A educação é fundamental para o fim da miséria. Mas isso precisa ser feito com mais recursos (de 7% à 10% do PIB), que os Governos FHC e Lula vetaram (o primeiro por ter tido a cara-de-pau de vetar e o segundo por ter tido a cara-de-pau de manter o veto e, no final do governo, vetar os 50% do Pré-Sal para a educação). A educação de qualidade, que é aquela que reduz a miséria, não se faz só com mais dinheiro. Mas se a gente imaginar um banco sem dinheiro, a gente pode imaginar o que acontece com uma escola sem recursos adequados. E a solução está ao alcance da mão: pode vir com o Custo Aluno-Qualidade, calculado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Vamos ver o que vingará no PNE.
Mas para finalizar a questão da miséria humana: para além das estatísticas, para além dos projetos técnicos, para além dos estudos, das palestras, dos artigos (como esse...), o que realmente importa é o ser humano e seus direitos. O Marcelo Freixo (deputado estadual pelo Rio de Janeiro) insiste muito que a questão é da dignidade humana. E considero que ele está certo: num mundo onde 2/3 são pobres, 1 bilhão passam fome, onde morrem 8 jovens por dia no estado do Rio de Janeiro por arma de fogo, onde o déficit por moradia é brutal, onde ser jovem-preto-pobre-favelado é ter uma sentença de morte estampada no peito, onde milhares de mulheres precisam de prostituir para ter como viver, onde o trabalho infantil ainda vigora, onde ainda existe trabalho escravo, onde o salário de um grande jogador de futebol equivale à renda anual de dezenas de famílias... precisamos de mais amor social. Precisamos nos sentir parte de um todo, de um coletivo, de uma comunidade, de um mundo. Um só mundo. Um mundo que seja nosso. Um mundo que seja de todos.
* Maurício França Fabião é mestre em ciências sociais pela Uerj, coordenador estadual da Campanha Nacional pelo Direito à Educação no Rio de Janeiro e diretor do Instituto Mais Cidadania. Contatos: mauriciofabiao@hotmail.com. Blog: http://mauriciofrancafabiao.blogspot.com.
Por Maurício Fabião*
Maceió, 14/02/2011.
O senso comum (e o censo governamental...) considera que a miséria é apenas uma questão de falta de dinheiro. Existem inúmeros estudos econômicos pretendendo estabelecer uma linha da miséria que se desprenda do clássico "1/4 do salário mínimo", para que a miséria de renda possa ser medida, calculada, avaliada, esquematizada, racionalizada. Mas existe uma dimensão fundamental da miséria que escapa à maioria dos estudos. De onde vem a miséria humana?
Quando pensamos em um ser humano pleno, temos em mente alguém educado, saudável, seguro, livre, com oportunidades iguais, morando adequadamente, bem remunerado, se divertindo e, sobretudo, amado e feliz. Para quase todas essas características acima, nós temos indicadores para medir. Mas como se mede a felicidade de ser amado ou a infelicidade de não ser amado? E aqui não estou falando somente do amor romântico, mas do amor social.
O amor social é uma qualidade coletiva. É a capacidade de uma comunidade de pessoas ser capaz de expressar e materializar o seu amor por seus membros, construindo um ambiente de colaboração e solidariedade. Quando digo uma comunidade de pessoas estou me referindo desde uma família à uma cidade. Existe um ditado africano que diz que para educar uma criança é preciso toda uma comunidade. Isso é amor social. Porém, com a globalização neoliberal, os laços de fraternidade que envolvem as pessoas são cada vez mais rasgados. E ao invés da simpatia dos vizinhos, temos que encarar a triste realidade de que as pessoas estão cada vez mais individualistas, mais egoístas, mais frias. Como Marx escreveu há mais de 150 anos (e não envelhece): "O capitalismo transformou todas as relações humanas em relações de troca".
A miséria humana vem da indiferença, vem do desprezo, vem da falta de solidariedade, da falta de amor. Se nós, enquanto sociedade, considerássemos um absurdo a indignidade de alguém viver em condições subhumanas, a miséria já teria acabado. Mas como naturalizamos a desigualdade, toleramos a miséria humana. A persistência da miséria no Brasil vai além da questão monetária, tem a ver com a falta de amor social, com a falta de solidariedade coletiva. É isso que devemos estimular cada vez mais.
Nos últimos anos, o país foi mobilizado em Conferências Nacionais para debater diversos temas, entre eles a educação. Está em tramitação no Congresso Nacional o novo Plano Nacional de Educação. Em nenhum dos seus artigos está relacionado o impacto da educação na redução da miséria, mesmo considerando que diversos estudos apontam para uma relação direta entre aumento da escolaridade e diminuição da extrema pobreza. Mas a educação é capaz de fazer mais do que elevar a renda.
A educação pode aumentar a cidadania, ou seja, a capacidade de ter consciência dos seus direitos, de exercê-los e lutar para que eles sejam garantidos, mantidos e ampliados. A educação é fundamental para o fim da miséria. Mas isso precisa ser feito com mais recursos (de 7% à 10% do PIB), que os Governos FHC e Lula vetaram (o primeiro por ter tido a cara-de-pau de vetar e o segundo por ter tido a cara-de-pau de manter o veto e, no final do governo, vetar os 50% do Pré-Sal para a educação). A educação de qualidade, que é aquela que reduz a miséria, não se faz só com mais dinheiro. Mas se a gente imaginar um banco sem dinheiro, a gente pode imaginar o que acontece com uma escola sem recursos adequados. E a solução está ao alcance da mão: pode vir com o Custo Aluno-Qualidade, calculado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Vamos ver o que vingará no PNE.
Mas para finalizar a questão da miséria humana: para além das estatísticas, para além dos projetos técnicos, para além dos estudos, das palestras, dos artigos (como esse...), o que realmente importa é o ser humano e seus direitos. O Marcelo Freixo (deputado estadual pelo Rio de Janeiro) insiste muito que a questão é da dignidade humana. E considero que ele está certo: num mundo onde 2/3 são pobres, 1 bilhão passam fome, onde morrem 8 jovens por dia no estado do Rio de Janeiro por arma de fogo, onde o déficit por moradia é brutal, onde ser jovem-preto-pobre-favelado é ter uma sentença de morte estampada no peito, onde milhares de mulheres precisam de prostituir para ter como viver, onde o trabalho infantil ainda vigora, onde ainda existe trabalho escravo, onde o salário de um grande jogador de futebol equivale à renda anual de dezenas de famílias... precisamos de mais amor social. Precisamos nos sentir parte de um todo, de um coletivo, de uma comunidade, de um mundo. Um só mundo. Um mundo que seja nosso. Um mundo que seja de todos.
* Maurício França Fabião é mestre em ciências sociais pela Uerj, coordenador estadual da Campanha Nacional pelo Direito à Educação no Rio de Janeiro e diretor do Instituto Mais Cidadania. Contatos: mauriciofabiao@hotmail.com. Blog: http://mauriciofrancafabiao.blogspot.com.
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