PASSOS CONTRA A VIOLÊNCIA
* Por Maurício Fabião
Um novo ciclo de violência aflige a cidade do Rio de Janeiro. Mais uma vez, nos vemos presos em nossas casas, com medo. Medo: esse sentimento tão comum que nos faz ter reações tão inusitadas. Há cerca de dez anos, ouvia de muitos conhecidos uma frase que se tornou comum durante a Operação Rio: “virem os tanques para as favelas e atirem, pois eles moram lá porque querem!” Ou seja, a “solução”, para o problema da violência, era exterminar o “inimigo”.
Hoje, quando discutimos as atribuições de uma força tarefa contra a violência no Rio, cabe perguntar de quem estamos falando quando nos referimos à eles: seriam as empregadas domésticas de nossas casas, os porteiros de nossos prédios, os offices boys e as secretárias de nossos escritórios ou os sambistas e ritmistas da nossa escola de samba do coração? Ou falamos de um reduzido grupo de indivíduos que atuam de forma ilegal, impondo o terror à essas próprias comunidades? Qual é o nosso alvo: o pobre ou o bandido? Bem, ao bandido devemos aplicar a lei com rigor e justiça. Ao pobre devemos dar oportunidades. Acredito que esta pode ser a principal contribuição das empresas em favor da paz no Rio de Janeiro.
Se a maioria do empresariado carioca perceber que podemos substituir o eles estão errados pelo nós podemos ajudar, a nossa vida em sociedade ficará melhor. Deveríamos substituir a prática do segurança-à-paisana-na-porta-da-loja pela oferta de oportunidades de serviços de educação, saúde e geração de renda, a fim de aumentar o Índice de Desenvolvimento Humano das comunidades com maiores incidências de crimes. Provavelmente, muitos empresários devem estar pensando: “mas eu já pago os meus impostos e o governo mete a mão, então a responsabilidade é deles”. Ledo engano: para uma nova sociedade precisamos de um novo empresário. Um executivo brasileiro, que deseje sair à noite para jantar com sua esposa e queira se sentir seguro, deve ir além da simples reclamação lamuriosa e partir para a ação propositiva.
Atualmente, alcançar um superávit primário em conta corrente (a grande “glória” dos nossos gestores financeiros) não é suficiente para aumentar a renda de mais de 50 milhões de brasileiros abaixo da linha da pobreza. Precisamos de equilíbrio econômico com desenvolvimento social, o qual vem sendo buscado por dezenas de ONGs sérias e comprometidas com a população brasileira. Obviamente, não há “anjos” no Terceiro Setor, mas há muitos profissionais atuando de forma responsável e que estão aptos para mostrar os resultados sociais de suas ações.
Acredito que o empresariado carioca tem a oportunidade histórica de assumir um novo papel dentro da dinâmica social, podendo passar de um mero produtor econômico para ser mais um importante produtor social. O que defendo aqui é que o executivo brasileiro deste Século XXI perceba que o impacto de sua atuação vai muito além dos muros da empresa. Esse novo tipo de empreendedor econômico pode dialogar com as comunidades “violentas” e com os governantes, a partir de suas competências técnicas, recursos financeiros e força política, e atuar em prol do bem comum ao construir, coletivamente, propostas de ação social.
Para tanto, proponho sete passos para que as empresas possam atuar em favor da paz na cidade do Rio de Janeiro, a saber: (1) dar transparência à doação de recursos financeiros para campanhas políticas, fazendo com que o compromisso do político eleito seja com a sociedade e não com alguns grupos empresariais; (2) estabelecer um diálogo aberto e institucional com os moradores de comunidades empobrecidas (leia-se favelas), onde os mesmos possam colocar as suas demandas e necessidades; (3) participar politicamente e de forma democrática nas decisões de interesse público, em fóruns ou conselhos locais; (4) aproveitar o seu conhecimento em treinamento de pessoal para criar projetos sociais próprios que capacitem, para o mercado de trabalho, jovens de 15 à 24 anos (as principais vítimas e algozes da violência urbana) e que moram naquelas comunidades; (5) empregar esses jovens que foram capacitados, na medida do possível; (6) repassar o seu know-how em treinamento de pessoas para ONGs parceiras, que ampliarão o impacto de tal ação; e (7) ser parceiros de outros projetos sociais que ofereçam alternativas (culturais, artísticas, educacionais, etc.) para esses jovens.
Considero que ao dar alguns ou todos esses sete passos, as empresas estarão atuando da forma como melhor sabem atuar: pro-ativamente. No entanto, mais importante do que agregar valor à imagem da empresa, é o resultado social das ações em prol dos jovens e de que maneira tais conquistas foram alcançadas, pois não é possível fortalecer a democracia sem diálogo entre os stakeholders.
Como suporte desses “sete passos das empresas em favor da paz”, exponho abaixo três casos que demostram que isso é possível: (1) há alguns anos, a associação comercial do bairro de Copacabana articulou os seus associados e propôs que os mesmos dessem maiores oportunidades de trabalho aos jovens moradores das comunidades locais; (2) o Projeto Social da Mangueira, em parceria com dezenas de empresas, vem mantendo há anos o CAMP Mangueira, onde jovens dessa e de outras comunidades adjacentes recebem um treinamento para o mercado e fazem um estágio remunerado nessas empresas (detalhe: não há registro oficial de delinqüência infantil na Mangueira há anos); e (3) o projeto Consórcio Social, lançado e executado pelo CIEDS, concretiza uma união inédita entre empresas, governos, ONGs e comunidades empobrecidas da Zona Sul carioca para oferecerem, cada parceiro em sua especialidade, serviços sociais que atendam as demandas dos moradores, visando promover um processo de DLIS (desenvolvimento local integrado e sustentável) nessa micro-região.
Obviamente, cada uma dessas iniciativas possui inconsistências e têm claros limites no que diz respeito à redução imediata dos índices de criminalidade. No entanto, elas mostram uma mudança de posicionamento das empresas cariocas: da reação vingativa à ação propositiva. Já é hora das empresas assumirem as suas novas responsabilidades sociais para com o futuro de nossos jovens, se não quiserem ver os seus próprios futuros ameaçados.
A responsabilidade das empresas não pode se resumir ao aumento do seu capital financeiro, pois o que precisamos agora é aumentar (urgentemente!) o nosso capital social, que é a nossa capacidade de tolerar as diferenças, de ouvir o outro e de agregar pessoas em torno de uma causa solidária que transcenda o conflito, ou seja, a nossa capacidade de conviver em sociedade. Chegou o momento de percebermos que antes de sermos médicos, engenheiros, professores, políticos, sociólogos ou economistas, somos cidadãos. E, como cidadãos, precisamos criar novos caminhos para se prevenir a violência, visando construir uma paz com voz e sem medo.
* Artigo publicado no Jornal O Globo (Opiniões, p. 07) em 09/06/2002, e na página eletrônica do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social (www.ethos.org.br), em 29/08/2002.
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