VIOLÊNCIA É VIOLAÇÃO DE DIREITOS: DA COBERTURA AO FUNDO DO POÇO

Por Maurício França Fabião[i] [ii] Rio, 14/08/2006.
Direitos humanos é coisa de bandido? Cadê os direitos dos cidadãos de bem? O negócio é matar para não morrer? Onde fomos parar? Que país é esse? Essas e outras perguntas ecoaram pelas mentes, gargantas e bocas de homens e mulheres no Brasil e no Mundo, depois da violência na cidade de São Paulo.
Cidade: palavra familiar e estranha. Familiar para quem tem acesso à ela. Estranha para quem a constrói, mas nela “não pode entrar”. Cidade com “C” maiúsculo, para quem sabe que uma das dimensões da cidadania é o direito à cidade. Cidade com “c” minúsculo, para quem só sabe que a cidade está há horas de distância de ônibus, de trem, de kombi ou de van de sua moradia precária, localizada em uma vizinhança com muita bala e pouca vida. Cidade de direitos, cidade de deveres.
Que Cidade nós queremos? Que cidadania nós queremos? A cidade “vendeta” ou a cidade “respeita”? Respeito pelo quê? Pelos direitos humanos de todos, ora. Se os direitos humanos de todos não forem respeitados, ninguém terá segurança de ter os seus direitos individuais respeitados. “Ah, mas e o cidadão de bem, como é que fica?”, você pode perguntar. Fica com mais ou menos, depende da Bolsa. É curioso notar como o tipo de violência que o “cidadão de bem” declara está ligado aos “bens” que ele concentra em suas mãos, vindos da mão-de-obra alheia. Vamos comparar três formas de violência usualmente relatadas nas delegacias e compará-las com alguns artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos:
  • “Me roubaram” (furto ou roubo): violação do direito à propriedade [artigo 17º];
  • “Me agrediram” (agressão física ou psicológica): violação do direito à integridade [artigo 5º];
  • “Mataram meu familiar” (homicídio culposo ou doloso): violação do direito à vida [artigo 3º].
Ora, os mais pobres não têm esses direitos muito respeitados, não. Ou você vai me dizer que esses direitos são garantidos à maioria silenciosa dos cidadãos “sem bens”? Somente os mais ricos acham estranho discutir direitos humanos, pois todos aqueles artigos fazem parte da sua vida desde que nasceram. Duvida? Faça uma experiência: peça para um grupo de pessoas de classe média ler alguns artigos dos Direitos Humanos. Provavelmente eles concordaram com todos, pois acharão a coisa mais normal do mundo. Logo em seguida, peça para outro grupo de pessoas de classe popular ler os mesmos artigos. Possivelmente eles irão cair na gargalhada, pois tudo aquilo (para eles) é uma fantasia! Faça isso dentro da mesma cidade, de preferência, no mesmo bairro. Desta forma, se você ainda não concorda com a desigualdade entre “Cidade” e “cidade”, ao menos compreenderá que VIOLÊNCIA É VIOLAÇÃO DE DIREITOS.
Quais são os três problemas, que identifico, em aceitarmos que toda violência é uma violação de direitos? Pela ordem de palavras-chave: sentimentos, movimentos e rendimentos.
Primeiro vem o que o antropólogo Luis Eduardo Soares, corretamente, destaca:[iii] cada um sente e entende violência de um jeito e, por isso, seria impossível impedir as pessoas de sentirem medo diante da expectativa de uma possível agressão, nem tão pouco limitar o entendimento do que é “violência” à meras estatísticas burocráticas, nascidas em gabinetes refrigerados. Violência é o que a gente sente como violência e pronto.
Em segundo lugar, viriam as dificuldades que encontram os movimentos sociais e as organizações não-governamentais em defesa dos direitos humanos para explicar, para a população em geral, que a Declaração Universal dos Direitos Humanos não se limita aos direitos civis e políticos [artigos 4º ao 15º]. Tais artigos surgiram para coibir a repetição das prisões arbitrárias em massa, empreendidas por governos totalitários durante do século 20, como na Alemanha de Hitler. Defensores dos direitos humanos (como eu) formulam que mesmo não vivendo sob uma ditadura militar, ainda se prende, se tortura e se mata o povo pobre (principalmente o jovem negro) como se não existissem limites ao poder do Estado e como se ser pobre fosse igual a ser criminoso (quando, na verdade, crime é a desigualdade que gera a pobreza).
Porém, como aponta o sociólogo Boaventura de Souza Santos,[iv] os movimentos e organizações que convivem na “praça pública” conhecida como Fórum Social Mundial, ao mesmo tempo em que promovem os direitos humanos não conseguem se entender enquanto defensores dos mesmos. Por exemplo, os movimentos populares que lutam pela reforma agrária estão também lutando pelo direito à propriedade [artigo 17º]. As ONGs que realizam projetos de geração de renda estão realizando o direito ao trabalho [artigo 23º]. Os movimentos sociais que lutam por educação, lutam pelo direito à instrução [artigo 26º]. As associações civis que realizam ações contra a fome estão realizando o direito à alimentação [artigo 25º]. A lista não tem fim. Mas, mesmo assim, o jargão “direitos humanos é coisa de bandido” sempre volta quando tem uma revolta e não conseguimos nos fazer entender.
Por fim, porém não menos importante, é o que aponto enquanto uma questão de “rendimentos”, a saber: o que usualmente é formulado como violência é o que as pessoas de alta renda formulam como violações de seus direitos. Afinal: morrer, todo mundo pode (basta estar vivo); agredido, todo mundo pode (basta encontrar outro “lobo” para haver essa possibilidade); mas roubado, só quem tem propriedade e renda. Nesse ponto, entra a cultura brasileira da desigualdade: quando as pessoas de baixa renda têm alguns ou todos os seus direitos violados, o nome disso deixa de ser “violência” e passa a ser “realidade brasileira”. Ou seja, parafraseando o jornalista Elio Gaspari: ficamos assustamos com a violência no andar de cima, mas nos acostumamos com a violência no andar de baixo...
Então, ou todos nós pegamos o elevador social para a cobertura, ou esse país vai continuar indo para o fundo do poço, no de serviço (público). Em outubro, você decide: ser um cidadão ativo ao participar da solução ou ser um cidadão passivo na continuidade do problema. E aí, qual vai ser?
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[i] Publicado em: Rede 3 setor (http://br.groups.yahoo.com/group/3setor / 3setor@yahoogrupos.com.br) e Comitê de Mídia Independente (http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2006/05/354459.shtml), 27/05/2006. [ii] MAURÍCIO FRANÇA FABIÃO é: (1) Mestre em Ciências Sociais (Universidade do Estado do Rio de Janeiro); (2) Sociólogo na Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida (Comitê Rio); e (3) Professor de Sociologia e Filosofia (Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro). Correio eletrônico: mauriciofranca@acaodacidadania.com.br. Página pessoal: http://mauriciofrancafabiao.blogspot.com. [iii] Cf. SOARES, Luiz Eduardo et alli. Violência e Política no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Relumé-Dumará, 1996. [iv] Cf. SANTOS, Boaventura de Souza. “O futuro do FSM: o trabalho de tradução”. Democracia Viva [25]. Rio de Janeiro: Ibase, jan. 2005.

Comentários

Anônimo disse…
Violência é violação de direitos!
Anônimo disse…
koe mauríííciooooo
seu blog é iraaaaado
bjss do colégio teresiano!!!
Anônimo disse…
mauricio seu blog e demais
falo man...

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