EDUCAÇÃO PARA QUE?

Por Maurício Fabião¹
A escola pública está (des)educando o Brasil. Quem é culpado? Todos nós: cidadãos e instituições somos co-responsáveis. Sabemos que a educação básica se dá, majoritariamente, nas escolas públicas municipais e estaduais. Considerando que o cidadão vive na cidade (que faz parte de um estado, de um país etc.), a omissão com o que está ao redor gera um jogo de empurra (do tipo “isso não é comigo”) que tem milhões de crianças, jovens e adultos como vítimas de um velho e conhecido método de tentativa-e-erro. Não precisamos testar tanto. Precisamos é ousar práticas inovadoras e, principalmente, fazer o que já dá certo, a começar em discutir mais a prática pedagógica do que a teoria e aplicar mais a lei do que as vontades políticas dos gestores. Existem inúmeros bons diagnósticos e prognósticos sobre a educação básica (esse texto pretende ser apenas mais um desses). Uma das boas iniciativas, neste sentido, vem sendo as Conferências Estaduais de Educação Básica (CEEB), que o Ministério da Educação está realizando neste ano, como preparatórias para a Conferência Nacional, em 2008. Um dos eixos de discussão mais importantes das Conferências de Educação é a questão da gestão democrática. A primeira proposta para melhorar é educação básica é estimular, de forma responsável e profissional, a participação efetiva de professoras e professores na tomada de decisão na escola: ao aceitar o bônus (compromisso) e o ônus (conflitos) de uma gestão participativa, os parceiros estratégicos (stakeholders) das organizações educacionais podem aplicar boas práticas educacionais, pois estão engajados em todo o processo ensino-aprendizagem. Em outras palavras, o professor deixa de “visitar a escola para dar aulas” e passa a “conviver com as comunidades escolar e local para (re)construir conhecimento”. Isso pode implicar na realização de projetos sócio-pedagógicos com os educandos para a comunidade local, visando aumentar a participação deles(as) na melhoria da localidade (um dos objetivos da escola). As possibilidades são infinitas: biblioteca comunitária na rua, pesquisa com famílias nas comunidades, campanha de doação no Natal etc.. Acredite, dá certo. A segunda proposta para uma educação de qualidade, com ou sem o justo aumento salarial para o magistério, é realizar uma prática pedagógica que considere o educando como sujeito do aprendizado. Para tanto, o objetivo da educação básica pode ser ensinar o cidadão a pensar e agir o mundo através dos conteúdos previstos nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Mesmo considerando todos os méritos históricos da pedagogia clássica, que quando bem feita obtêm bons resultados, seria interessante considerarmos o óbvio: os educandos são pessoas que pensam sobre como melhorar as suas vidas e podem ter acesso, na escola, às informações e aos conhecimentos que sirvam de bases para essa mudança. Então, se criarmos um ambiente permanente de discussão das práticas pedagógicas dos educadores, no cotidiano da escola (tendo a teoria não como horizonte, mas como farol), poderemos reconhecer mais soluções do que problemas em nossos alunos. A terceira proposta para uma educação básica pública de qualidade é considerar o professor como um educador que produz conhecimento e não somente reproduz. Isso implica que o professor se entenda como educador, que é a pessoa que aprende para ensinar. Neste sentido, o educador pode se auto-capacitar, sendo orientado para tanto e não “qualificado” em novos conteúdos. Uma das maiores ofensas para um(a) professor(a) é dizer que ele(a) não sabe fazer o que faz. Em vários casos, pode ser verdade. Porém, existem doutores e mestres lecionando na educação básica brasileira. Nós precisamos de “capacitação” curricular ou necessitamos discutir e implementar as melhores práticas pedagógicas? Será que também não seria o sistema educacional que, aliado com a desmotivação generalizada dos seus agentes, dificulta o ensino e desestimula a aprendizagem? Longe de desresponsabilizar o magistério, mas resumir todos os problemas da educação na má qualificação do professor é o mesmo que dizer que o Brasil cresce pouco por conta de seus economistas e empresários ou que a saúde pública é um caos devido à má formação de seus médicos e enfermeiros ou que a justiça é lenta e pouco eficaz em conseqüência da (desin)formação de nossos advogados e juízes... Seriam absurdos! Então, porque deslegitimar uma das maiores e mais estratégicas categorias profissionais do país? Justamente por ser grande e importante? Porque retirar da família, do Estado e da sociedade a responsabilidade com a educação, como prevê o artigo 227 da Constituição? Por isso, a quarta proposta é aprimorar o controle social na educação básica. Os pais, as lideranças comunitárias, os empresários, os cidadãos-contribuintes e, principalmente, os próprios alunos precisam exigir maior rigor do Estado e da escola (entendida como uma intersecção entre docentes, discentes e funcionários). Sem cobrança, nada melhora. Os professores precisam cobrar os alunos e se cobrarem também! O mesmo deve valer tanto aos alunos quantos aos funcionários (principalmente estes que, na maioria das vezes, não se entendem como educadores, mas muitas vezes o são). Não é possível melhorar a educação sem a participação efetiva, diária e democrática de todos. Por fim, a quinta proposta deste texto é uma ousadia: mudar radicalmente a estrutura de horários das escolas. Parece algo trivial, mas é extremamente complexo. Alguns dirão que é utópico ou, até mesmo, irresponsável! A proposta é a seguinte: ao invés de um professor dispor de 48 ou 96 horas anuais com uma turma (90 ou 180 minutos em cada uma das 32 semanas mínimas do ano letivo), divididas em oito meses, proponho a reorganização do quadro de horários para que essas 48 ou 96 horas sejam realizadas em dois meses e que os alunos escolham três disciplinas por bimestre. Isso implicaria que ao invés de dois ou quatro tempos por semana de cada uma das 12 disciplinas, o educando teria entre seis a doze tempos por semana de três disciplinas. Os resultados prováveis seriam: (1) aumento da responsabilidade do educando com o seu aprendizado (posto que teria liberdade de escolher o que vai pensar a cada dois meses); (2) aumento do foco do ensino (os educadores parariam com a “maratona entre as salas”) e da aprendizagem (os educandos reduziriam a “maratona do conhecimento dentro do cérebro”). Essa proposta é, na verdade, uma adaptação do modelo do ensino universitário, amplamente apontado como “superior” ao ensino básico... Com esta última proposta, volto ao primeiro parágrafo: precisamos ter a coragem de fazer o que já dá certo e parar de fazer o que dá errado. Talvez essa proposição pareça absurda, mas imagine o seguinte quadro: uma faculdade que oferecesse doze disciplinas durante os oito meses do ano letivo, sem possibilidade de escolha para o educando. Você conhece alguma? Talvez exista, mas não é o “padrão de qualidade” da universidade brasileira, simplesmente porque não dá certo! Os maiores gênios da ciência mundial seriam péssimos professores se tivessem que discutir qualquer teoria com 30 alunos durante (menos de) 90 minutos e, em seguida, fazer a mesma coisa! O bom educador precisa (re)construir o conhecimento com o educando e, para isso, precisa de tempo. No entanto, todas essas e outras propostas de ação dependem de uma resposta comum, que toda sociedade precisa (aprender a) responder e compartilhar: Educação para que? Qual é o objetivo da educação? É enriquecer o indivíduo, capacitando-o para o mercado de trabalho? É formar o cidadão, preparando-o para a vida? É uma desafiadora combinação entre os dois? Não há resposta consensual, mas um plano político-pedagógico de âmbito nacional, como o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), não pode se omitir de (tentar) responder essa questão fundamental. Ou sabemos para onde ir ou vamos seguir o conselho do gato mágico, que disse para uma desorientada Alice: "Para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve". Para onde vamos, educadores?
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[1] Maurício França Fabião é mestre em ciências sociais pela Uerj, coordenador do núcleo de educação da Ação da Cidadania e professor de sociologia da SEE-RJ. Correio-e: mauriciofabiao@hotmail.com

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