Luto pelo Rio: O que podemos fazer?

LUTO PELO RIO: O QUE PODEMOS FAZER? [1]

Por Maurício Fabião[i]
Rio, 21/04/2010.

Nas favelas, no Senado, sujeira pra todo lado | Ninguém respeita a Constituição
Mas todos acreditam no futuro da Nação | Que país é esse? (Legião Urbana)




No dia 06 de abril de 2010, o estado de sítio desaguou no Rio na forma de um temporal de incompetência política. O capitalismo de desastre[2] mostrou a sua face: o atual governador do Rio de Janeiro acusou os pobres pelas próprias mortes, “lavando as mãos do sangue dos justos”, no meio da contagem dos mais de 200 mortos [trabalhadoras(es), crianças e idosas(os)], por conta da falta de planejamento urbano para prevenir os efeitos de fortes chuvas (as quais são derivadas das mudanças climáticas iniciadas na Revolução Industrial). A “Tragédia do Rio” (como a mídia corporativa classificou esse fato social) trouxe de volta a discussão sobre o que podemos fazer com as favelas cariocas e fluminenses.

Desde da década de 1930, com o Plano Agache[3], se fala em remoções forçadas de comunidades populares, a começar pela cidade do Rio de Janeiro, antiga capital do Brasil. Por outro lado, principalmente nos anos 1960, uma corrente de opinião pública falava em urbanizar tais localidades, pois todos têm direito à cidade. Com o Golpe Militar-Civil de 1964, a corrente autoritária ganhou e perdeu: ela literalmente faliu.

Durante mais de 20 anos, a política habitacional brasileira se baseou em remoções obrigatórias de populações pobres, das áreas nobres para subúrbios distantes. Fundaram um banco (o Banco Nacional de Habitação - BNH), organizaram uma construtora (a COHAB/CEHAB), escreveram editoriais (em jornais que emprestavam os seus carros para transportar presos políticos) e engatilharam os fuzis (do Exército). Surgiu a Cidade de Deus e tantos outros conjuntos habitacionais, que viraram novas favelas e ainda por cima[4]: (1) incharam as favelas antigas, antes das remoções (pois muitas famílias de classe média baixa, que não tinham acesso à casa própria, viravam “faveladas” para conseguir vagas nos novos conjuntos); (2) incharam novamente as mesmas favelas, depois das remoções (pois muitos moradores que não tinham como pagar as prestações da casa própria, porque perderam os seus empregos devido às remoções, faziam um “contrato de gaveta”[5] e a vendiam para famílias de funcionários públicos de baixo escalão); e (3) faliu o BNH, devido à inadimplência dos ex-moradores de favelas que ficaram nos novos “conjuntos habitacionais”. Ou seja, a política de remoção forçada de favelas DEU ERRADO. Discuta com a história...

Nos anos 1980, com a explosão da violência urbana devido ao surgimento do dito “crime organizado”, a discussão em torno das favelas se voltou para o dilema: integrar ou reprimir? Hora ganhava um projeto, hora ganhava outro. No início dos anos 1990, a classe média carioca já estava cansada de tantas “experiências” e guiada por intelectuais igualmente saturados de tantos desmandos, fechou questão e formou uma sólida e majoritária opinião pública em favor da urbanização de favelas, questão criada e defendida corajosamente pelo movimento comunitário de associações de moradores. Em 1992, mesmo com a vitória em “arrastão” de um candidato conservador, contra uma candidata popular, a Prefeitura do Rio começou uma grande e duradoura política pública de urbanização de assentamentos populares (PROAP), conhecida como Favela-Bairro. Mesmo com inúmeros e graves problemas (cooptação política de lideranças comunitárias, desvio de recursos, autoritarismo técnico-político, economia imprudente em materiais de construção, mau planejamento etc.), o Favela-Bairro dizia o seguinte: favela é cidade e, por isso, urbanizaram-se (parcialmente) centenas de favelas, sem intervenção militar. Isso ocorreu não por conta da boa vontade do prefeito A ou B, mas porque a opinião pública queria a urbanização das favelas.

Em 2006, com a vitória de um candidato de centro-direita para o Governo do Estado do Rio, pela primeira vez em mais de 100 anos de favelas cariocas se conjuga a palavra “urbanização” com “militarização”. Antes, era um ou outro. Agora, para urbanizar parece ser preciso matar... Então, temos que ter cuidado com o atual avanço da violência neoliberal nas favelas da cidade e do estado do Rio de Janeiro, pois após as chuvas de abril e antes das eleições de outubro, pode estar ocorrendo um intenso processo de cooptação de lideranças comunitárias, pois o prefeito carioca (eleito pelo governador...) não quer que os movimentos sociais subam o morro para mobilizar o povo: “Que os demagogos fiquem em casa”.[6]

Mas, por que as chuvas voltaram a matar tanta gente, depois de tanto tempo? Bem, depois da “porta arrombada” foram ouvir os especialistas que, em resumo, disseram: o que mata não é a chuva, mas a incompetência governamental. Segundo o engenheiro Paulo Canedo (do Laboratório de Hidrologia da COPPE/ UFRJ), nos anos de 1960 foi feito um Plano Diretor para prevenir enchentes na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, que progressivamente deu certo até meados dos anos 1990 e ainda tem bons resultados na Baixada Fluminense: Nova Iguaçu, que sempre tinha muitas mortes, nos últimos anos investiu recursos federais do PAC para prevenir enchentes e as tragédias ambientais cessaram.

O Rio está “cheio” de histórias de caos e sucesso. Após as enchentes de 1966, o então governador do estado do Rio, Negrão de Lima (um democrata), pressionado pela opinião pública, criou a GEO-RIO para realizar pesquisas e políticas públicas que prevenissem desastres ambientais. Deu certo: dos anos 70 aos anos 90, o estado do Rio de Janeiro não só se tornou referência em planejamento preventivo (vide plano diretor citado acima), como reduziu substancialmente as mortes por deslizamento de terra nas encostas.



No entanto, nos últimos 10 anos houve um esvaziamento da GEO-RIO e uma desorganização na ocupação das áreas de risco, segundo o metereologista Luis Carlos Mullion. Segundo ele, as mudanças no clima do Planeta Terra acarretarão chuvas mais intensas nos próximos 20 anos (como ocorreu nos anos 1940 e 1960). Para Mullion, a metereologia brasileira é uma das mais modernas do Mundo, podendo prever grandes tempestades horas antes (permitindo alertas para evacuação de encostas, por exemplo), mas os governos precisam dar ouvidos aos técnicos antes dos desastres, não somente depois.[7] Segundo o engenheiro Lucínio Guerreiro vem ocorrendo, também nos últimos 10 anos, um abandono do planejamento urbano nas grandes capitais, principalmente no Rio de Janeiro. E, por isso, para ele: “precisamos evitar a tendência de dizer que ‘o culpado é a vítima’, como diz o ditado inglês”.[8] E o Governo Federal? Segundo informação divulgada no programa “Jogo do Poder”,[9] o (ex)ministro de Integração Nacional aplicou quase 70% da verba de sua pasta para a prevenção de desastres ambientais na Bahia (seu estado de origem), repassando ao estado do Rio menos de 1%. Esse ex-ministro se desvinculou do ministério recentemente, para ser candidato ao Governo do Estado do Bahia...

Então, como fazer a sua parte? Sem pretender esgotar as alternativas, sugiro o seguinte:

(1) Seja solidária(o) às vítimas da tragédia das chuvas no Rio: sim, faça doações aos milhares de desabrigados, mas não se esqueça de cobrar mudanças. Então...



(2) Cobre dos atuais e futuros governos (municipal, estadual e federal) que gastem menos com propaganda e mais com obras contra as fortes chuvas (“já há dinheiro, não precisa esperar”, escreveu um insuspeito Elio Gaspari[10]), urbanizando favelas e demais comunidades, reassentando (e não removendo, porque pessoas não são coisas) famílias em áreas risco (médio e alto) para habitações próximas às suas residências originais (como diz o bom urbanismo moderno). Por isso...



(3) Pense bem em quem votar nas Eleições de 2010, exigindo das(os) candidatas(os) o compromisso com a (re)elaboração de um Plano Diretor para a Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), onde vivem mais de 10 milhões de pessoas (75% da população do estado), que contemple não só as obras, mas que abarque a modernização dos transportes públicos (por exemplo: rever os valores do Bilhete Único, que em comparação com São Paulo é bem mais caro, segundo Elio Gaspari), com intervenção estatal ou, até mesmo, reestatização (no caso do Metro Rio isso é urgente!), e que incorpore a “questão urbana” como direito à cidade, pensando toda a RMRJ. Neste sentido...



(4) Sempre exerça o democrático direito de vaiar maus políticos!!! Duvide da mídia burguesa (ex: o programa “Furo MTV” é uma “serra” elétrica de piadinhas anti-pobre...) e mobilize o povo, sim! Nesse 1º de maio (Dia do Trabalho), não fique aí parado: procure a sua associação de moradores, uma ONG, um movimento social, um sindicato, uma escola, uma igreja, enfim, qualquer lugar com gente séria que queira fazer o bem e vá para as ruas!!! Acredite: Outro Rio é Possível...



E como nas Eleições de 2010 iremos eleger Presidenta(e), Senadoras(es), Deputadas(os) Federais, Governador(a) e Deputadas(os) Estaduais, lembro das palavras do sociólogo Herbert de Souza (o Betinho): “Nós podemos mudar o país! Mas essa mudança não vai cair do céu. Ela não vai ser feita dos outros para nós: ela será feita de nós para os outros. Tem só um ‘se’... E o ‘se’ é você! Ou seja, se você quiser fazer isso acontecer”.

E aí, você quer mudar o país?

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[1] Esse artigo é uma homenagem à Tiradentes e a todos os mortos pela violência do estado brasileiro.
[2] Cf. KLEIN, Naomi. “A doutrina de choque: A ascensão do Capitalismo de Desastre”. Trata sobre como o neoliberalismo se utiliza ou estimula crises (ambientais, econômicas, políticas etc.) para impor aos governos (municipais, estaduais ou federais) a cartilha do Consenso de Washington – Estado Mínimo com Mercado Máximo...
[3] Alfredo Agache foi um urbanista francês, contratado pelo governo do então Distrito Federal para elaborar uma espécie de plano diretor para a cidade do Rio de Janeiro. Uma das propostas mais famosas foi a extinção das favelas (“uma aberração”, segundo ele), que, na verdade, repercutia o desejo das elites de então.
[4] Cf. “Passa-se uma casa”, de Lícia do Prado Valladares.
[5] O “contrato de gaveta” é um acordo informal baseado na confiança mútua, no qual uma parte vende extra-oficialmente um imóvel para outra parte, que se compromete em assumir as dívidas anteriores e pagar as futuras prestações, assumindo a propriedade.
[6] Cf. GloboNews, 11/04/2010.
[7] Cf. Canal Livre, TV Band, 11/04/2010.
[8] Cf. Canal Livre, op. cit.
[9] Cf. Jogo do Poder, TV CNT, 11/04/2010.
[10] Cf. Jornal O Globo, em 11/04/2010.



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[i] Maurício França Fabião é Sociólgo do Instituto MAIS Cidadania. Mestre em Ciências Sociais pela Uerj. Professor de Sociologia do Colégio Teresiano (CAP/PUC). Coordenador estadual da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (Comitê Rio). Contatos: mauriciofabiao@hotmail.com (MSN)

"Ninguém liberta ninguém. Ninguém se liberta sozinho. As pessoas se libertam em comunhão." Paulo Freire

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