CIDADES E CONFUSÕES
CIDADES
E CONFUSÕES
Por
Maurício Fabião[i]
Rio de Janeiro, 07 de
agosto de 2012.
Em
um mais um ano de eleições municipais, a cidade do Rio de Janeiro é um
importante centro de atenções, devido aos dois grandes eventos esportivos que o
futuro prefeito irá receber: alguns jogos da Copa do Mundo de Futebol, em 2014,
e todas as atividades dos Jogos Olímpicos de 2016. Muita coisa está em “jogo”:
não só a eleição, como os volumosos orçamentos e rendas advindas desses
eventos, como o modelo de grande cidade que se quer construir nesse país.
O
Rio de Janeiro se insere em um cenário nacional com significativas mudanças ao
longo dos últimos 20 anos. Do primeiro Impeachment presidencial à primeira
mulher presidente, tivemos 8 anos do assim chamado “príncipe dos sociólogos” e
mais 8 anos do primeiro ex-operário. Vêm sendo anos intensos, com uma mistura
intrigante entre neoliberalismo (queda vertiginosa da inflação, estabilização
econômica a custo de contenção de gastos públicos, taxa de câmbio
sobrevalorizada com desestímulo à exportação, privatizações mais do que
questionáveis de empresas públicas etc.) e bem-estar social (aumento tímido do
gasto público em educação, estruturação a ser consolidada de uma política de
assistência social - tendo como carro-chefe o Programa Bolsa Família -,
intensificação de políticas de geração de emprego e renda, elevação do salário
mínimo acima da inflação etc.). Anos intrigantes, mas que levam à perguntas
igualmente intrigantes.
Por
que o Brasil é a 5ª maior economia do Mundo e, ao mesmo tempo, ocupa o 84º
lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (que mede educação, saúde e
renda)? Por que atraímos turistas do Mundo inteiro pelas nossas belas
praias, mas milhares de cidades brasileiras ainda não possuem saneamento
básico? Por que somos um dos maiores produtores mundiais de alimentos e, ainda
sim, milhões de pessoas vivem com fome? Por que gastamos 45% do orçamento
público da União com o montante da dívida, sem nunca os sucessivos governos
pensarem em uma “simples” auditoria, e se gasta 2,99% com educação? Essas não
são pautas exclusivamente do Governo Federal ou dos Governos Estaduais. Ao
contrário, boa parte dessas e de outras são agendas municipais. E quais são as
respostas que os nossos candidatos a prefeito(a) ou vereador(a) estão
dando à essas e outras questões?
Aparentemente,
as disputas eleitorais passam menos pelo conteúdo do que pela forma. O
marketing político parece ser mais importante do que a política do
convencimento. O que assistimos é uma disputa por “produtos políticos”: podemos
escolher pelo candidato da região, ou o candidato de opinião, também existe o
candidato temático e tem o candidato do poder. Isso para não falar naqueles que
compram ou impõem os votos, como os milicianos. Isso tem um efeito deletério na
opinião pública, que é fatal: a descrença generalizada na política. É comum
ouvirmos de pessoas de todos os estratos sociais a já famosa frase: “eu não
acredito na política, porque são todos uns ladrões”. Mas esse é o meu ponto:
discordo totalmente disso. O que penso é justamente o contrário. O povo brasileiro
(ainda) acredita na política.
Para
o filósofo grego Aristóteles, a política era a arte de se fazer o maior bem
possível, para o maior número de pessoas. Esse é o conceito essencial de
política, é a base, a raiz. Mas a sociedade moderna insiste em concordar
somente com a noção do pensador italiano Maquiavel: a política é uma guerra
onde se faz tudo para se conquistar o poder e mais ainda para mantê-lo. A
dicotomia é que a maioria do povo acredita na primeira versão, enquanto a
maioria dos políticos acredita na segunda. A minha hipótese é de que a maioria
do povo ainda acredita na noção de Aristóteles porque, de um lado, acredita no
pacto social que diz que um grupo bem preparado e escolhido pela maioria vai
“sempre” fazer o melhor pela cidade e, por outro lado, por comodismo, pois dá
muito trabalho participar ativamente da vida da comunidade e da construção de
soluções para a cidade. Daí vêm as confusões da cidade: esse grupo escolhido
não foi livremente escolhido - foi escolhido porque possuía mais recursos para
fazer valer a sua imagem e o seu poder de persuasão – e, em outra medida,
outros pequenos grupos, com propostas e ações alternativas, querem “um outro
mundo possível”, mas não conseguem massificar (ou unificar) as suas vozes.
Nota-se
que aqui não coloco a dicotomia capital x trabalho ou direita x esquerda. Não
por considerá-las inválidas, ao contrário. Em um período em que o capitalismo
está mergulhado em uma crise mundial há quatro anos, questionar o modo de
produção capitalista é mais do que fundamental. No entanto, faço questão de
focalizar questões pré-marxistas para dizer que as mesmas não são novas e, tampouco,
foram resolvidas. E considero que, em sociedades de massa, como a nossa,
nenhuma grande transformação social ocorrerá se não houver uma grande, forte e
significativa mudança no direito à cidade, em como homens e mulheres, idosos e
crianças, pessoas com ou sem deficiência, pobres e ricos, em como todos(as) possam
usufruir dos bens coletivos livremente. Para voltar ao caso da cidade do Rio de
Janeiro: hoje, o mega-bairro de Santa Cruz, um dos maiores, mais populosos e
mais distantes do Centro, não tem o direito às melhores escolas públicas ou às
melhores universidades, mas tem o dever de sucumbir com o ar tóxico expelido
pela siderúrgica TK-CSA. O que há de errado?
O
que está errado nas cidades brasileiras é que produzimos riquezas, mas não
produzimos justiça. Uma criança, que ingressa aos 5 anos de idades na 1ª série
do Ensino Fundamental, não tem garantias que aos 18 anos terá pela frente um
futuro promissor, pois estamos mantendo um processo civilizatório que só
garante uma perspectiva de futuro para os mais ricos/menos pobres. Sem a
garantia e o exercício de direitos e deveres comuns e iguais para todos, ou
seja, sem cidadania, não há cidade, não há dignidade. Se cidadania não existe
para todos, ela não existe para ninguém. Sem cidadania, só existem privilégios
para os mais ricos e opressão para os mais pobres, como certa vez ressaltou o
geógrafo brasileiro Milton Santos. E sem cidadania geral e irrestrita, não há
Justiça. E sem Justiça, voltamos ao Estado de Natureza, onde o “homem é o lobo
do homem”, como Hobbes escreveu há séculos, e constatamos estupefatos as
milhares de mortes de jovens negros pobres e favelados, subindo ano após ano.
A
questão da juventude, por exemplo, ainda não foi assumida plenamente pelos
municípios. Acredita-se que garantido o Ensino Fundamental e alguma Assistência
Social, tudo está resolvido. Só que o Brasil tem hoje a maior população jovem
da sua história e as cidades não se preparam para isso. É necessário ter uma
política da juventude que seja construída a partir de cada comunidade, de cada
bairro, de cada região, de cada cidade. Não um ProJovem que vem de cima para
baixo, como veio o Agente Jovem. Alguém sabe quais foram os impactos positivos
significativos maciços desses programas, nos últimos 10 anos? Se alguém for
sincero e me informar, me comprometo em mudar esse artigo. Como gritam os
ativistas: juventude não é caso de polícia, mas de política pública. E isso, o
município tem muito à contribuir.
Por
fim, gostaria que vocês refletissem sobre o significado do ato de dar a alguém
o direito de exercer e fazer valer os seus direitos. Será que a democracia
representativa ainda nos representa? Será que ela representa algo significativo
e importante para as milhões de pessoas que não são cidadãos? Será que nesse
século que ainda engatinha, não deveríamos caminhar para uma democracia mais
participativa, onde cada cidadão se representa e constrói, coletivamente, o
destino da cidade, do país e do mundo? Pense nisso, pois é outubro ou nada...
[i] Maurício França Fabião é Mestre em Ciências Sociais (Uerj) e
coordenador do Comitê Rio da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Mais
artigos: http://mauriciofrancafabiao.blogspot.com.
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