A cidadania existe?
Por Maurício Fabião.
Rio de Janeiro, 19/04/2015.
É recorrente apontarmos a cidadania como um conjunto universal de direitos e deveres dos cidadãos de um território em relação à um Estado. O que raramente é apontado é que quando ela foi criada, em Atenas (Grécia), há cerca de 2.500 anos, ela não era válida para crianças, jovens, mulheres, estrangeiros, pessoas sem propriedade e, claro, escravos. Essa população, excluída do nascimento da cidadania, representava cerca de 75% da Cidade-Estado de Atenas.
Esquecida durante séculos, a noção e a prática da cidadania é retomada nas que eu chamo de “as três grandes revoluções burguesas da Idade Moderna”, a saber: a Revolução Inglesa (1640), a Revolução Americana (1776) e a Recolução Francesa (1789). Cada uma, a seu modo, procurou recuperar o legado da cidadania ateniense, mas com uma diferença fundamental: a cidadania não era mais exercida diretamente, mas por meio de representantes. Os demais direitos foram sendo ampliados, mas nunca a ponto de atender às demandas sociais. Como se sabe, a frustação causada pelas promessas não cumpridas pelas revoluções liberais levou diferentes povos a buscar uma outra alternativa: o socialismo.
No século 19 há uma ebulição de pensamentos e revoltas socialistas, como a famosa Comuna de Paris. Tamanha agitação preparou o terreno, já no século 20, para as que eu chamo de “as três principais revoluções socialistas da Idade Moderna”, a saber: a Revolução Russa (1917), a Revolução Chinesa (1949) e a Revolução Cubana (1959), que, cada qual ao seu jeito, iriam inspirar lutas e revoltas por dezenas de países.
A questão é que os socialistas rejeitavam a idéia de cidadania, pois a consideravam mais uma forma das elites burguesas iludirem o povo, ao jogarem migalhas, prometendo (um dia) distribuir o bolo inteiro. Para os socialistas, a única alternativa era substituir a ditadura burguesa por uma ditadura do proletariado e, aí sim, “distribuir o bolo” igualmente. Acontece é que depois da nova ditadura estabelecida, a riqueza não foi distribuída e a cidadania ficou pior do que era (quando existia).
Com a Queda do Muro de Berlin (1989) e o consequente fim da União Soviética (1991), a burguesia vem oficialmente atacando os direitos de cidadania através de neoliberalismo, enquanto a esquerda se fragmentava em milhares de cacos, sem achar um foco único de luta. Um exemplo disso é a pretensa dicotomia que tentou-se criar entre o Fórum Econômico Mundial (em Davos, na Suíça) e o Fórum Social Mundial (em Porto Alegre, no Brasil). Enquanto o primeiro é explicitamente neoliberal (se dando ao luxo de discutir meio ambiente e o fim da pobreza), o segundo era uma espécie de “carnaval da cidadania”: cada um desfilava com as suas fantasias, sem conseguir acompanhar o bloco do companheiro do lado. Resultado: mesmo com a Crise Mundial de 2008, a esquerda não conseguiu apresentar alternativas fortes o suficiente para superá-la.
Neste sentido, retomo a questão chave deste texto: para Milton Santos, nunca houve cidadania no Brasil e sim privilégios para uma minoria. A partir daí, pode-se refletir sobre a existência da cidadania, se sempre é necessário reinvidicá-la. Ora, se a cidadania univeral existesse, não haveria necessidade de demanda-la. Então, se a cidadania não é universal como prometido desde o inicio e mesmo com todos os legados das revoluções supracitadas, ela realmente existe ou que existe é um sistema que transforma benefícios em direitos e usurpação em deveres? Debate à continuar...
Forte abraço,
Maurício França Fabião
Sociólogo, Professor e Mestre em Ciências Sociais (Uerj)
Artigos Sociais: http:// mauriciofrancafabiao.blogsp ot.com/
Professor filiado ao SEPE-RJ - "Sozinho o problema é seu!"
Coordenador Estadual da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (Comitê Rio)
Por Maurício Fabião.
Rio de Janeiro, 19/04/2015.
É recorrente apontarmos a cidadania como um conjunto universal de direitos e deveres dos cidadãos de um território em relação à um Estado. O que raramente é apontado é que quando ela foi criada, em Atenas (Grécia), há cerca de 2.500 anos, ela não era válida para crianças, jovens, mulheres, estrangeiros, pessoas sem propriedade e, claro, escravos. Essa população, excluída do nascimento da cidadania, representava cerca de 75% da Cidade-Estado de Atenas.
Esquecida durante séculos, a noção e a prática da cidadania é retomada nas que eu chamo de “as três grandes revoluções burguesas da Idade Moderna”, a saber: a Revolução Inglesa (1640), a Revolução Americana (1776) e a Recolução Francesa (1789). Cada uma, a seu modo, procurou recuperar o legado da cidadania ateniense, mas com uma diferença fundamental: a cidadania não era mais exercida diretamente, mas por meio de representantes. Os demais direitos foram sendo ampliados, mas nunca a ponto de atender às demandas sociais. Como se sabe, a frustação causada pelas promessas não cumpridas pelas revoluções liberais levou diferentes povos a buscar uma outra alternativa: o socialismo.
No século 19 há uma ebulição de pensamentos e revoltas socialistas, como a famosa Comuna de Paris. Tamanha agitação preparou o terreno, já no século 20, para as que eu chamo de “as três principais revoluções socialistas da Idade Moderna”, a saber: a Revolução Russa (1917), a Revolução Chinesa (1949) e a Revolução Cubana (1959), que, cada qual ao seu jeito, iriam inspirar lutas e revoltas por dezenas de países.
A questão é que os socialistas rejeitavam a idéia de cidadania, pois a consideravam mais uma forma das elites burguesas iludirem o povo, ao jogarem migalhas, prometendo (um dia) distribuir o bolo inteiro. Para os socialistas, a única alternativa era substituir a ditadura burguesa por uma ditadura do proletariado e, aí sim, “distribuir o bolo” igualmente. Acontece é que depois da nova ditadura estabelecida, a riqueza não foi distribuída e a cidadania ficou pior do que era (quando existia).
Com a Queda do Muro de Berlin (1989) e o consequente fim da União Soviética (1991), a burguesia vem oficialmente atacando os direitos de cidadania através de neoliberalismo, enquanto a esquerda se fragmentava em milhares de cacos, sem achar um foco único de luta. Um exemplo disso é a pretensa dicotomia que tentou-se criar entre o Fórum Econômico Mundial (em Davos, na Suíça) e o Fórum Social Mundial (em Porto Alegre, no Brasil). Enquanto o primeiro é explicitamente neoliberal (se dando ao luxo de discutir meio ambiente e o fim da pobreza), o segundo era uma espécie de “carnaval da cidadania”: cada um desfilava com as suas fantasias, sem conseguir acompanhar o bloco do companheiro do lado. Resultado: mesmo com a Crise Mundial de 2008, a esquerda não conseguiu apresentar alternativas fortes o suficiente para superá-la.
Neste sentido, retomo a questão chave deste texto: para Milton Santos, nunca houve cidadania no Brasil e sim privilégios para uma minoria. A partir daí, pode-se refletir sobre a existência da cidadania, se sempre é necessário reinvidicá-la. Ora, se a cidadania univeral existesse, não haveria necessidade de demanda-la. Então, se a cidadania não é universal como prometido desde o inicio e mesmo com todos os legados das revoluções supracitadas, ela realmente existe ou que existe é um sistema que transforma benefícios em direitos e usurpação em deveres? Debate à continuar...
Forte abraço,
Maurício França Fabião
Sociólogo, Professor e Mestre em Ciências Sociais (Uerj)
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Coordenador Estadual da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (Comitê Rio)
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