A FOME AINDA NÃO ACABOU

A FOME AINDA NÃO ACABOU
Por Maurício Fabião[i]
Rio de Janeiro, 27/02/2016.

Para o senso comum e alguns membros do Governo Federal, a fome teria terminado no Brasil. Isso não é verdade. Segundo dados do IBGE, ainda existem 7,2 milhões de pessoas na extrema pobreza, sendo que 52 milhões de brasileiros se encontram em algum nível de insegurança alimentar[ii]. Essa miopia acerca da fome, que levou várias ONGs a abandonarem a luta contra a fome e a miséria, se deve ao relativo sucesso do Programa Bolsa Família (PBF), que teria tirado milhões de pessoas da pobreza.

Por que digo que é relativo? Por que transferência não é redistribuição – o dinheiro não é da família, mas do governo, que pode retirá-lo da família a hora que quiser ou tiver que tirar, caso a família não cumpra com as contrapartidas sociais. Em segundo lugar, o PBF, que se baseia no Imposto de Renda Negativo, do economista neoliberal Milton Friedman (me desculpe, Eduardo Suplicy), usa como parâmetro uma Linha da Pobreza e uma Linha da Extrema Pobreza fixas, pois baseadas no salário mínimo nacional: abaixo de ½ s.m. per capita = pobre | abaixo de ¼ s.m. per capita = extremamente pobre. Qual é o probrema dessa abordagem? Se a família tiver uma renda per capita R$ 1,00 abaixo da linha da pobreza/ extrema pobreza e ela recebe R$ 2,00, ela “sai” dessa situação sócioeconômica e vira “classe média”.

Em 1996, o sociólogo Herbert de Souza (o Betinho), fundador da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, disse em entrevista ao programa Roda Viva (TV Cultura), que “fazer uma Olimpíada no Rio sem acabar com a miséria, sem acabar com a favela é uma tremenda farsa”[iii]. Pois piada ou não, esse ano teremos Olímpiadas no Rio e segundo o Ipea, “o Estado do Rio tem 565.135 pessoas vivendo abaixo da linha da extrema pobreza”, o que representa 3,7% de seus moradores na miséria – o percentual só não é maior do que o do Norte-Nordeste.[iv]

É verdade que em 1993, quando Betinho começou a Ação da Cidadania, existiam 32 milhões de brasileiros com fome. Hoje, os 7,2 milhões com fome representam 22,5% do número de 23 anos atrás. Isso significa uma redução de 87,5%. Porém, apesar do visível avanço, cabe lembrar que (1) a fome ainda não acabou (logo, mantenham a sidra na geladeira), (2) se não avançarmos, esses números podem piorar e (3) dados do IBGE mostram que quem tem mais anos de estudo, tem menos chance de estar na extrema pobreza, ou seja, quem estuda mais, come mais. Portanto, ainda é hora de uma EducAção com Cultura pela Cidadania!





[i] Maurício França Fabião é Mestre em Ciências Sociais (Uerj) e Diretor Geral da Universidade dos Povos (UNIPOVOS).
[ii] Jornal Valor Econômico, “7,2 milhões de pessoas passam fome no Brasil, mostra o IBGE”, 18/12/2014, http://www.valor.com.br/brasil/3829144/72-milhoes-de-pessoas-passam-fome-no-brasil-mostra-ibge.
[iii] TV Cultura, Programa Roda Viva, Herbert de Souza, 1996.
[iv] O Globo, “Os miseráveis: retrato sem retoques de um Rio de excluídos”. http://oglobo.globo.com/rio/os-miseraveis-retrato-sem-retoques-de-um-rio-de-excluidos-16274605#ixzz41PkoQijx

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